Natureza Divina se não Cuidar a Beleza vai Embora
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Natureza Divina se não Cuidar a Beleza vai Embora com o Tempo...
Ao passar sobre uma ponte, na cidade ou no campo, fico a imaginar, por várias vezes,
se outras pessoas que fazem o mesmo já tiveram a curiosidade que sempre me assalta:
de onde vem aquele curso d’água? Ele é um caminho pelo qual serpenteiam volumes
de água. E caminhos têm sempre os seus inícios. Se for uma grande ponte sobre o
Velho Chico, muitos vão dizer que o início está na Serra da Canastra. Isso foi aprendido
na escola e está parcialmente correto.
As nascentes são os inícios de pequenos córregos que, ao se juntarem, formam
ribeirões e rios. Grandes rios como o Velho Chico são formados por inúmeros córregos,
com muitos inícios, e o da Serra da Canastra é oficialmente o mais distante, só isso,
pois todos os outros são tão importantes quanto ele.
E nascentes são manifestações superficiais de água armazenada nos chamados lençóis
subterrâneos que são abastecidos por parte das águas de chuvas que penetram no solo
pelo fenômeno conhecido por infiltração. Tudo isso faz parte do ciclo hidrológico,
cujo entendimento não pode ficar restrito apenas àquela forma descritiva vista na
escola, ou, no outro extremo, confiscado pelos engenheiros em equações matemáticas
e em representações que não estão ao alcance de quem não tem formação específica.
Eu sou especialista em hidrologia aplicada ao manejo de pequenas bacias hidrográficas,
onde estão as nascentes, e, de uns tempos para cá, depois de me aposentar como professor universitário, resolvi dedicar-me à divulgação dos conhecimentos hidrológicos em
forma acessível ao público em geral.
O objetivo é fazer com que todos possam ter a mesma curiosidade que eu tenho ao
cruzar uma ponte e ter ideia dos vários processos envolvidos na formação e
manutenção do curso d’água que passa sob ela. Eu só acredito na otimização do
ciclo hidrológico para suprimento de água se a comunidade estiver consciente do
resultado de seus comportamentos diários.
Tirar esse assunto das salas acadêmicas, dos seminários científicos e técnicos, dos
livros repletos de modelos matemáticos e da vaidade de muitos, é absolutamente
essencial, pois as interações diárias da população com a água estão muito além
daquelas preocupações expostas nas estatísticas que falam das quantidades de água
no mundo e no Brasil, que mostram o perigo da escassez e os exageros do consumo.
Interações muito mais importantes são as originadas no recebimento e no tratamento
das chuvas que chegam às superfícies. Nas áreas urbanas, por exemplo, há uma
intenção clara de os moradores tentarem se livrar rapidamente daquele volume de
água que normalmente cai em seus domínios.
As áreas cimentadas e com queda para a rua são providências para entregar a água
rapidamente ao poder municipal e ganhar o direito de reclamar dos incômodos que
ela acabará causando: danos aos pavimentos, estouro de tubulações, inundações,
arraste de terra e de lixos etc.
Isso é uma interferência muito séria no funcionamento do ciclo hidrológico, pois
estamos impedindo uma fase importante do mesmo que é a infiltração e o
abastecimento dos lençóis subterrâneos.
Em pouco tempo, as áreas urbanas estão ficando totalmente impermeabilizadas e é
só lembrar que uma chuva forte, capaz de produzir 20 milímetros de precipitação,
sobre um lote de 450 metros quadrados, impermeabilizado, vai lançar na rua um
volume de 9.000 litros de água, ou 9 caixas daquelas de 1.000 litros, muito comuns
nas residências.
Em resumo, os rios precisam das nascentes, as nascentes precisam dos lençóis
subterrâneos e os lençóis dependem da infiltração de parte das águas de chuvas.
Precisamos mostrar, de maneira clara e objetiva, como esse processo se desenvolve
na prática e nos diversos ecossistemas hidrológicos e indicar os princípios em que
se baseiam as técnicas de conservação capazes de privilegiarem o seu lado virtuoso.
Por isso, este artigo é o primeiro de uma série que pretendo escrever para desmistificar
a ideia de que hidrologia é uma coisa que só poderá ser entendida por conhecedores de
teorias físicas e matemáticas mais complexas.
A hidrologia de pequenas bacias hidrográficas, aquela em que está baseada a
conservação de nascentes, pode é precisa ser conhecida por muitos que teimam
em salvar nossos córregos, ribeirões e rios apenas aplicando leis e fazendo planos
diretores que não passam de uma contabilidade de água e um conjunto de
necessidades e intenções. Enquanto isso, as nascentes minguam a cada ano e nós
vamos perdendo a guerra pela água nossa de todo dia.
Osvaldo Ferreira Valente, Engenheiro Florestal, Especialista em Hidrologia e Manejo de Pequenas Bacias hidrográficas e Professor Titular aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV); ovalente@tdnet.com.br * Artigo enviado pelo Autor, Osvaldo Ferreira Valente, colaborador e articulista do EcoDebate [EcoDebate, 20/11/2008]
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